A música para violão de Cláudio Menandro

Recebi um e-mail do Cláudio perguntando se eu poderia escrever um texto para este álbum dizendo o quanto ele é bonito, forte, inteligente e charmoso (se é o compositor ou o álbum, deixo aberto à interpretação de cada um). Isso me lembra de quando ele começou a usar o computador e perguntava para sua filha qual era o “número” do e-mail dele. E não estamos falando da época em que inventaram o Windows, já era início dos anos 2000, um pouco depois de nos conhecermos. Falar sobre o Cláudio é fácil, somos amigos há mais de 15 anos, já dividimos o palco muitas vezes e neste exato momento ele deve estar na sua casa, aliás, a poucas quadras daqui, elaborando a redescoberta tropical do Arpeggione.

Era uma vez, ou talvez duas... Nascido na Bahia, criado no interior do Rio, em Resende, Cláudio é um dos músicos mais importantes do Paraná. Acho que fica mais fácil dizer que é brasileiro, ponto, assim como sua música é irremediavelmente brasileira. Não vou entrar em detalhes biográficos, mesmo porque estas informações são facilmente encontradas online, mas cabe aqui mencionar algo sobre sua formação para entender um pouco melhor os fios que compõem a trama de suas peças. Seu primeiro instrumento é o violão e desde cedo começou acompanhando canções dos Beatles, uma de suas paixões musicais. Passou a estudar formalmente violão clássico, gravou LPs, viajou à Europa, mas o violão parecia pequeno para suas ambições musicais. Que tal acrescentar uma corda? Toca violão de 7 como poucos, os caminhos harmônicos aprendidos acompanhando canções nas reuniões familiares lhe deram cancha para entrar no ambiente do choro. Sua curiosidade o levou então a se equilibrar em outras cordas e começou a tocar cavaquinho, bandolim, viola caipira, rabeca e viola da gamba. Gamba? Sim, no “choro” europeu da Renascença e do Barroco era um dos instrumentos responsáveis pelo baixo contínuo. Detalhe, esses instrumentos todos ele toca BEM. Não quero parecer condescendente, só acho que é uma informação que contribui para ilustrar sua vivência musical. Compôs 50 Estudos para cavaquinho, tocou Concertos barrocos ao bandolim, Oratórios de Bach e recitais com cravo tocando viola da gamba, além de ter excursionado e gravado com todos eles.

Quando o encontrei pela primeira vez ele estava tocando cavaquinho. Tempos depois, fazendo parte de um grupo reunido pelo maestro Roberto Gnattali, viajamos juntos, ele como cavaquinista e eu tocando violão de 7; foi durante este período que ele me apresentou, meio encabulado, uma composição sua, o choro Enganoso. A partir daí escreveu em um ano o repertório que faz parte do seu primeiro CD autoral, Sombra e Água Fresca, um disco cuja capa não faz jus à qualidade da música. Uma pergunta que qualquer pessoa faria, e que eu naturalmente fiz, foi: e para violão, você não tem nada? Por alguma razão ele não se sentia à vontade escrevendo para violão. Era o seu primeiro instrumento, sua língua instrumental materna, mas, segundo o próprio Cláudio, a música lhe vinha como melodia cifrada ao invés de uma textura que aproveita a geografia do instrumento. Mais tarde eu soube que ele havia gravado dois LPs de violão solo no mesmo ano, em 1984. Quem participou ou sabe algo sobre o cenário musical daquela época deve se lembrar da dificuldade para conseguir gravar um disco. O primeiro disco apresenta um repertório que inclui Dowland, Mudarra, Barrios, Rodrigo, Villa-Lobos, Sagregas e Edino Krieger. O segundo, Capelinha, tem um perfil diferente com obras de Lauro, Falu, Sávio, Nicanor Teixeira, Dilermando, João Pernambuco, Pixinguinha, Hélio Delmiro, Villa-Lobos, Nazareth e Cláudio Menandro. Sua primeira composição para violão, intilulada Choro n.2, faz parte deste trabalho voltado à música de caráter popular. “Cláudio, e o Choro n.1, cadê?” “Ah, eu fiz algumas tentativas que não deram certo e acabei não terminando.” Bom, para quem conhece o compositor, é típico que o seu primeiro choro seja o segundo...

“Rapaz, ganhei um ano!” Como assim? Descobriu no dia do aniversário que na verdade estava completando a idade que achava que já tinha. Do mesmo jeito é capaz de esquecer o bandolim em cima de um táxi poucos dias antes de um recital. Essa distração aparente tem uma função importante que é a de liberar espaço para informações musicais. Ele lembra com detalhes Sinfonias de Brahms, Concertos de Tchaikovsky, Suítes de Bach, conhece bem o repertório para violão, mas o que se sobressai é sua habilidade para acompanhar e improvisar; choro, samba, bossa nova, pode ser no tom que for, pode modular, ele tem um entendimento harmônico irrefutável. Foi natural que isso depois enveredasse para o lado da composição.

É sintomático que sua primeira peça faça parte do disco dedicado à música popular. A música de Cláudio Menandro tem raiz no choro, empresta contornos barrocos, conduções harmônicas características dos Beatles e isso tudo se converte em algo que as pessoas chamam de estilo próprio. Para nossa sorte a cisma com a escrita para violão foi vencida e ele começou a compor em 2010 o que viriam a ser os 15 Estudos para violão solo (uma curiosidade: o primeiro Estudo não é o n.1, ele virou a Miniatura n.9. Number nine, number nine, number nine...). Assim, Cláudio dá sequência à tradição dos violonistas compositores, desde os pilares no século XIX (Sor, Giuliani, Aguado, Carcassi, Mertz, Regondi, Tarrega, etc.), até o surgimento do violão solista brasileiro com Américo Jacomino, João Pernambuco, Dilermando Reis, Garoto e tantos outros que contribuíram para o desenvolvimento da identidade da nossa música.

Temos aqui seu álbum de partituras para violão solo, fruto da produção de cinco anos, que inclui 15 Estudos, 25 Miniaturas, 3 Estudos Curitibanos, Prelúdio e Dança, Choro Baiano, Samba do Garoto e Visconde de Mauá. Sua música não é dada às formas grandes, são peças curtas, simples, mas autênticas e sumamente bem escritas. Através delas podemos nos beneficiar da experiência de um músico da categoria de Cláudio Menandro: melodias inspiradas, levadas e variações rítmicas que lembram Garrincha entortando algum João, harmonias inusitadas, linhas de baixo com propriedade (as “baixarias” ou, como diziam os mais antigos, “passagens”), tudo aliado a um rico arsenal de recursos violonísticos. Algumas das características mais fortes de Cláudio são um sólido senso rítmico e uma percepção alienígena para afinação. Portanto, se houver alguma dúvida sobre como o compositor quer que a música seja tocada, toquem estas peças, antes de tudo, com o violão muito bem afinado, com as notas certas, o ritmo, as dinâmicas e as articulações no lugar, a duração exata das notas e com a digitação escrita. Espera aí... Não é como a gente sempre deveria tocar?

Obrigado, Cláudio, pela generosidade em compartilhar seu universo criativo com todos nós. Que você descubra, quando tiver 64, que ganhou mais um ano e continue a nos presentear com a sua música.

Fonte da foto: site EMBAP-PR.

Luciano Lima, Concertista e Professor da UNESPAR - FAP
Curitiba, junho de 2015.